Capítulo 49: Broken Porcelain

Anoitecia na capital coreana. O céu ganhava uma coloração alaranjada enquanto o sol forte daquele dia cedia espaço para as estrelas. Pálida e tímida a lua cheia despontava no céu, ainda sem a permissão para iluminar a cidade apropriadamente. A primavera chegava ao fim, e os jardins bem cuidados já não estavam tão floridos e logo a cidade ganharia a coloração sépia do fim de estação. A paisagem urbana não inspirava mais o romance como nos meses anteriores.

Do alto do apartamento de classe média, o ruído da chave girando a fechadura anunciava o rapaz que adentrara sua moradia. Não estava nada diferente do que na noite anterior, a boneca ainda estava quebrada no chão, a torta ainda estava sobre a mesa da cozinha e os dois pedaços cortados ainda estavam intactos com seus garfos esquecidos ao lado do prato. A cadeira ainda estava caída de lado, esquecida no meio da cozinha.

Changmin atravessou a sala, e pegou a delicada boneca do chão, a fitando com cuidado. Seus traços delicados, e o belo rosto com uma parte faltando. Changmin pegou o caco de porcelana, posicionou a boneca sobre a mesinha de centro, deixando o pedaço faltante ao lado. Ele voltou à estante e pegou a nova boneca mais sofisticada e a deixou exposta ao lado da primeira, as fitando em silêncio por alguns segundos.

Changmin suspirou pesadamente e seguiu para a janela, a abrindo e sentindo uma brisa amena tocar sua pele. Ele se permitiu respirar o ar fresco antes de voltar a caminhar por seu apartamento. Minutos depois e sua cozinha estava novamente arrumada, e a torta, tivera seu fim no lixo. Então ele seguiu para o quarto, retirando roupas confortáveis do armário, além de uma grande mala de mão, que ficou sobre a cama.

Ele então foi ao banheiro e abriu o chuveiro, colocando sua mão embaixo d’água até que esta atingisse uma temperatura agradável.  Uma a uma, suas roupas foram deixadas no cesto de roupas e finalmente ele adentrou o chuveiro. Seus músculos estavam tensos e ele estava ansioso, queria que tudo acabasse, queria ver a luz do sol e se animar com ele novamente, ele queria respirar ar puro novamente.

Ele temia que as palavras corretas desaparecessem de sua boca, que sua coragem faltasse quando ele mais precisasse. Ele já apanhara em silêncio, já lidara com a homofobia, com julgamentos, com solidão, precisava lidar com suas decisões e nunca se sentiu tão propenso a falhar como naquele momento. Changmin não havia ensaiado um discurso em frente ao espelho, ele não sabia fazer aquilo, era sua primeira vez.

Ele já vira aquelas situações em filmes e novelas, em todos eles eram discursos grandes, explicativos, com palavras muito bem escolhidas, mas como explicar algo tão intenso? Ele não era nenhum romancista, suas maneiras de se explicar não eram as melhores. Ele cogitou terminar como começou, mas olhar para uma folha pautada com as linhas em branco o nausearam. Era como voltar ao seu antigo eu, confessando seus sentimentos em um papel, tão clichê, tão desagradável.

Ele não saberia dar adjetivos para o que sentia naquele momento, mas era capaz de fazer comparativos. Esperar que ele chegasse, era como beber arsênico, deitar-se olhando para o teto e esperar pela morte. Ele via seus últimos dois anos passando como flashs em frente aos seus olhos, e se perguntava se algum dia faria as pazes com aquele momento, como Kyu fizera com seu passado. Certamente ele não o influenciaria tanto. E o seu futuro? Tal qual sua tentativa de escrever uma carta, seu futuro estava em uma lauda branca, sem perspectiva alguma.

Changmin desligou o chuveiro e enrolou-se em uma toalha, que absorveu as gotas que ainda ficaram em sua pele. Ele se enxugou, esfregou a toalha em seus cabelos e depois vestiu suas roupas. Seu próximo passo, colocar alguns de seus pertences na mala sobre a cama, no entanto, o som da porta sendo pela segunda vez destravada chamou-lhe a atenção. Changmin pendurou a toalha em um local próprio, ouvindo os passos na sala que timidamente exploravam o apartamento.

Ele então se revelou no corredor, os cabelos molhados ainda desgrenhados, enquanto aquele que detinha o maior egoísmo que ele conhecia estava ali parado, olhando para ele, ansioso. Kyu não costumava chegar aquele horário, mas até mesmo Siwon concordava que as coisas precisavam se resolver entre eles para que Kyu pudesse dar o próximo passo. Kyuhyun suspirou pesadamente, enquanto lentamente Changmin vinha em sua direção, de certa forma era confortador encontrar o rapaz ali.

– Changminie.

– Boa noite, Kyuhyun.

Kyu suspirou pesadamente com a frieza do rapaz, talvez uma parte de si ainda quisesse ser chamado de “príncipe”. Ao fim, ele percebeu que aquele lar também pertencia a Changmin e a presença do rapaz ali não significava necessariamente que este queria conversar, muito menos que da noite para o dia estivesse disposto a aceitar sua proposta de namoro a distância. Seu eu da noite anterior renegou a reação de Changmin, e agora ele estava a mercê dela. O rapaz parou à sua frente e segurou sua mão, para dizer baixinho:

– Vem comigo.

Kyuhyun meneou a cabeça afirmativamente e seguiu Changmin até o sofá da sala, onde o rapaz se sentou. Kyu fez o mesmo, fitando o mais alto com curiosidade, ele não deveria dar o primeiro passo sem saber como o outro estava naquele momento. Changmin em geral era um rapaz calmo, mas Kyu sabia que ele estava em um momento instável. O mais alto puxou o ar sonoramente e o expeliu pesado, finalmente pegando a antiga boneca quebrada de Kyuhyun e desviando o olhar ao rapaz.

– Eu quero te contar uma história, Kyu, e preciso que me ouça com atenção.

Kyuhyun assentiu, afinal não era um pedido absurdo. Ele repousou as mãos em seu colo e fitou Changmin, enquanto este começou a falar, pausadamente, procurando em seu vocabulário as palavras corretas.

– Há dois anos, eu encontrei essa boneca, ela é de porcelana, então é muito frágil. Quando eu encontrei, ela estava quebrada, e a beleza dela havia sido corroída com o passado dela, o tempo fez a alegria de ser uma boneca desaparecer. Então eu resolvi consertar ela, para que ela ficasse feliz em ser uma boneca de novo, para que ela visse, que mesmo depois de tanto tempo, ela ainda era bela e era capaz de muitos feitos. No começo ela teve medo, de ser abandonada, de ser deixada para trás, mas eu não faria isso com ela. Eu a consertei, e a coloquei na minha estante, para que me fizesse companhia.

Kyuhyun assentiu e suspirou trêmulo, fitando da boneca, para Changmin.

– Por muito tempo, ela foi feliz na minha estante e me fez companhia, mas algo aconteceu. – Changmin deixou Josephine sobre a mesa e pegou a boneca que Siwon dera para Kyu quando voltara da Inglaterra. – Ela ganhou uma amiga boneca, mais sofisticada, mais vivida, e essa nova boneca mostrou para ela que existia um mundo que ela desconhecia além da minha estante. A minha bonequinha ficou fascinada com esse mundo, e de repente, a estante se tornou pouco para ela, ela queria mais, e quanto mais ela queria, menos eu era lembrado. Ela e a amiga possuíam um mundo próprio, e é um mundo de bonecas, do qual, mesmo que eu quisesse, eu não poderia fazer parte, afinal, eu não sou como elas.

Kyuhyun puxou o ar com força, enxugando com a manga da camisa, as lágrimas que escorreram por seu rosto.

– No começo, eu fiquei muito bravo, porque a minha boneca estava seguindo por um caminho do qual eu não fazia parte. Um dia, eu esqueci que ela era de porcelana, e quebrei ela.

Changmin voltou a pegar a primeira boneca, assim como a lasca de seu rosto, a qual ele encaixou como a última peça de um quebra-cabeça.

– Eu tentei consertar mais uma vez, mas veja, por mais que a peça volte para o mesmo lugar, ainda dá pra ver a rachadura no rosto dela. Por mais que eu conserte, por mais que ela volte a ficar linda como sempre foi, ela não vai ser a mesma boneca que eu encontrei. Agora, ela me pediu permissão para adentrar no mundo das bonecas, e me deixar para trás e não há nada que eu possa fazer senão deixar ela ir e desejar que a sua amiga boneca cuide bem dela, e que ela seja feliz.

– Não precisa ser assim. – Disse Kyuhyun. – Você ainda faz parte da minha vida, do meu mundo.

– Mas há muito eu perdi a minha importância. – Afirmou Changmin, entregando a ele a boneca quebrada. – Eu tenho apenas duas opções, eu poderia provar para a minha bonequinha que ela vai ter um futuro melhor se continuar na minha estante, e assumir a culpa se ela for infeliz, ou eu posso dar essa responsabilidade para a outra boneca, e deixar que ela se arrisque pelo mundo.

– Changmin…

– Eu não quero carregar mais esse fardo, e eu não tenho argumentos para pedir para você ficar e eu não quero que você fique. Eu não acho que você ainda se lembra, mas quando nos conhecemos, você estava inseguro porque eu não era do círculo de conhecidos do Siwon. É exatamente isso que está nos separando neste exato momento, eu não faço parte desse grupo de pessoas que te rodeia, não sou como eles.

– Changminie, eu sei disso, mas eu não amo você menos por isso.

– Não é o quanto você me ama o que me afeta, é o quanto você se importa. – Afirmou Changmin. – Eu não sou um deles. Eu não sou o Sungmin que apenas deseja amizade com benefícios, ou o Hyukjae que afasta os espinhos para que você siga ileso, seja qual for o caminho que você queira percorrer. Acima de tudo, eu não sou o Donghae que te coloca em uma redoma de vidro, e te protege de tudo que te envolve. Ele não te guia, ele te encobre, e é por isso que você é assim, mimado e egoísta. O Donghae brigaria com unhas e dentes pra não te ver chorar, mas fecha os olhos para a sua capacidade de fazer alguém chorar. Ele não é somente seu amigo, ele é seu cumplice, seu álibi, seu refúgio, seu porto seguro e eu não quero estar perto quando você tiver que caminhar sozinho, porque vai partir meu coração te ver sofrer. E você vai sofrer.

Kyuhyun soluçava. Suas mãos agarravam a boneca com força, fincando as unhas contra o tecido fofo de seu vestido.

– E o Siwon. O que falar do Siwon. Ele é a base de tudo na sua vida, desde os seus treze anos, tudo gira em volta do Siwon, ele é o seu chão, o caminho por onde o Donghae te carrega pela mão, é a trilha montada pelo Siwon, para que você cresca e seja como ele. A sua personalidade se molda a isso, e em questão de meses, você virou outra pessoa, alguém irreconhecível, porque você não se desligou do Siwon. E eu não sou como ele. Eu quero você, no seu estado mais puro, te quero com todos os seus defeitos, todas as suas qualidades, e não alguém montado, peça por peça. Eu não vou massagear o seu ego, para que você se sinta melhor, eu não sou assim e você sabia disso.

– Eu sei e eu te amo mesmo assim.

– Eu não duvido disso, mas duvido da sua capacidade de pensar em outra pessoa que não seja você. Eu sei que te desaponta, o fato de eu não me moldar a você, como você faz com o Siwon. Eu mudei muito depois que eu te conheci, ao seu lado, eu me encontrei, eu encontrei o verdadeiro Changmin e isso é um mérito seu, no entanto, eu não sou capaz de me tornar uma pessoa tão diferente, de me adaptar desta maneira e você, não foi capaz de se adaptar a minha maneira.

– Eu não sabia que isso te machucava tanto.

– Você sabia sim, eu durmo ao seu lado todas as noites, Kyuhyun, você sabia perfeitamente que eu não estava feliz com as suas atitudes. O que você fez foi ignorar, os meus sentimentos, as minhas necessidades, você me ignorou completamente, na certeza de que eu continuaria ao seu lado. Agora, isso acabou.

– Não, Changminie, por favor. Eu vou levar um mês para ir para a Inglaterra, vamos reparar as coisas.

– Pra que você possa me abandonar com a consciência tranquila, enquanto dia após dia, eu te vejo desaparecer? Para que eu possa ver você aos poucos juntar os seus pertences e me abandonar? Você sabe que vai ser assim, mas está ignorando, como sempre faz.

– Não, não é isso. – Disse Kyuhyun segurando as mãos de Changmin, tentando controlar os soluços quando disse. – Eu só não consigo acreditar que você está terminando comigo.

– Eu estou, Kyu. – Disse Changmin, baixando o rosto. – Não porque eu quero terminar, não é porque eu não te amo mais, mas porque eu não aguento mais. Entenda, não é porque eu te chamo de príncipe, que eu me tornei o seu servo. Eu esperava mais de você quando nós viemos morar juntos, e eu estava disposto a ceder pelo que fosse, mas nada veio.

Kyuhyun negou freneticamente com a cabeça, enquanto Changmin desvencilhou de suas mãos agora carinhosas e quentes, e se levantou, seguindo para o quarto. Ao contrário do que ele imaginou, Kyu o seguiu, mas congelou na porta do cômodo ao ver a mala aberta, ainda vazia sobre a cama. Era terrível ser abandonado mais uma vez, no entanto, ele finalmente percebeu que Changmin tinha apenas duas opções: abandonar ou ser abandonado.

– Você não precisa ir, eu posso ficar na casa do Hae-hyung até ir para a Inglaterra. – Afirmou Kyuhyun. – Pode ficar aqui, eu saio.

– Você pode ir pra onde quiser, eu vou pra casa do Yoochun-hyung, fugir do mundo. – Afirmou Changmin. – Vou ficar lá umas duas ou três semanas e depois volto pra cá.

– Vai se livrar do apartamento quando eu for embora?

– Não sei.

– Changminie… não precisa ser assim.

– Precisa sim. Eu quero fazer do meu jeito, pelo menos desta vez.

Kyuhyun meneou a cabeça afirmativamente e se sentou na cama, ao lado da grande mala, enquanto via Changmin seguir para o banheiro a fim de juntar seus pertences. Ele precisava fazer algo, em sua mente, havia um vazio entre ele e Changmin que precisava ser preenchido. No entanto, ele percebeu que quanto mais contrariasse o rapaz, mais magoado ele ficaria. Kyu precisava concordar com sua partida, ele precisava ceder.

Não foi uma decisão fácil. Ele se levantou da cama e seguiu para o armário, retirando dali algumas roupas confortáveis de Changmin. Ele selecionou as que o rapaz tinha preferência e impecavelmente dobradas, ele as colocou na mala. Quando o rapaz saiu do banheiro e o encontrou embalando suas coisas, Changmin negou com a cabeça. Ele se aproximou e disse baixinho:

– Você não precisa fazer isso.

– Eu quero, me deixa fazer isso por você.

– Por mim?

– Eu perdi todas as oportunidades de fazer algo por você. – Afirmou Kyuhyun, colocando uma toalha de banho na grande mala. – Eu não posso perder a ultima.

Changmin sentou-se na cama, observando Kyuhyun que trêmulo caminhava de um lado a outro no quarto. Kyuhyun reuniu seus pertences, se demorando a coloca-los na mala, sabia que a hora de deixar Changmin partir chegaria e que nada ele poderia fazer sobre isso. Seu namorado apenas o observou, silencioso, frio, sem demonstrar nem metade da dor que sentia naquele momento. Em sua mente, se ele se deixasse levar, Kyu o manipularia e logo ele estaria em seus braços novamente.

A escova de dentes, a colônia e estava tudo pronto, para que Changmin passasse uma temporada na casa de Yoochun. Kyu não tinha ciúmes, uma vez que aquela situação toda era por demais dolorida para ele. O rapaz fechou a mala e finalmente desviou o olhar para Changmin que não mais o fitava. Era o momento, ele precisava ir apesar de seu coração berrar para que ele ficasse. Foi o sentimentalismo estúpido que o levou ate ali, e ele precisava se livrar disso.

Changmin agarrou sua mala e se levantou de um salto a colocando sobre os ombros, finalmente desviando o olhar para Kyuhyun que chorava em silêncio. Changmin caminhou em direção à saída, sabendo que Kyu vinha logo atrás de si com passos vacilantes. Aquilo doía demais nos dois rapazes, não era uma decisão fácil, tampouco foi tomada da noite para o dia. Changmin finalmente parou à porta e voltou-se para Kyuhyun, que disse com a voz embargada:

– É isso mesmo o que você quer, Changminie?

– Não se trata mais do que eu quero, mas sim do que eu preciso fazer. – Afirmou Changmin se aproximando do rapaz e selando sua testa demoradamente. – Se cuide, Kyuhyun.

– Tchau, Changminie.

E quando a porta se fechou, estava feito, e finalmente aquele relacionamento vira seu fim. Lágrimas foram derramadas em nome de um amor existente, mas há muito deixado de lado, negligenciado em nome de outras prioridades. Corações feridos agora palpitavam solitários como fariam dali em diante, e a solidão seria seu novo fardo, talvez um dos mais difíceis de ser carregado.

Changmin dirigiu sem pressa, sentindo um estranho alívio, como se tivesse bebido e esquecesse momentaneamente de seus problemas. Por outro lado, seu coração afogado em dor, o relembrava que seu relacionamento havia chegado ao seu fim poucos minutos antes. A brisa da janela aberta deixava seu rosto fresco, enquanto, um tanto atordoado, Changmin seguia para a residência de seus hyung-dul.

Certamente a reação de Kyu fora muito diferente do que ele esperava e talvez ele tivesse mesmo escolhido as palavras corretas. Ele esperava atitudes egocêntricas de um rapaz mimado, mas o que viera foram lágrimas magoadas de um rapaz ainda apaixonado. Ele não esperava apoio, não de alguém que o ignorara desde sempre. Quando ele estacionou o carro, e fitou a janela acesa do apartamento de seus amigos, uma sensação de paz tomou conta de si. Talvez finalmente seu arsênico fizera efeito, ele estava em paz.

Junsu sorriu discreto quando atendeu a porta, foi quando finalmente a máscara de frieza de Changmin desmoronou e ele chorou. Um choro verdadeiro, dolorido, que foi prontamente recebido pelo ombro acalentador de Junsu. E Changmin chorou, por horas a fio, encerrado no quarto de hóspedes que os dois rapazes separaram para ele. Changmin chorou até acreditar que suas lágrimas haviam secado, desaparecido por completo, assim como seus soluços.

Yoochun o auxiliou naquele momento, o deixou chorar, depois serviu-lhe um jantar, que foi pouco aproveitado pelo rapaz. Ele finalmente pôde fazer verdadeiramente companhia a seu amigo. Changmin estava deitado de lado, fitando a parede atentamente, enquanto sua mala estava esquecida em algum canto naquele quarto. Micky sabia que o rapaz não se sentia bem e não acreditava que aquilo passaria de uma hora para outra, por isso o queria ao seu lado.

– Changminie.

– Diga, hyung. – Disse Changmin, sem fita-lo.

– Quer me contar como foi?

– Foi difícil, me machucou. – Afirmou Changmin, finalmente fechando os olhos. – Finalmente, ele me ouviu. Hyung, ele parou e escutou tudo o que eu tinha pra dizer, e não me rebateu. Ele me entendeu.

– Eu imaginei outra reação, algo mais drástico.

– Eu fui duro com ele, acho que deveria ter sido assim antes, talvez ele não fosse embora.

– Não teria dado certo, Changminie, o Kyu só te ouviu hoje porque ele não teve influências externas. Sem Donghae e Siwon para guiar, ele teve que tomar uma decisão sozinho e finalmente, acertou em alguma coisa.

– Eu ainda amo ele, hyung. – Afirmou Changmin. – Espero que isso desapareça algum dia.

– Eu não posso te dizer isso, mas essa dor, essa agonia, a raiva, isso tudo vai passar. – Afirmou Yoochun.

– Eu quero dormir agora, hyung.

– Tudo bem, eu vou deixar você descansar. – Yoochun deu a volta na cama e se abaixou ao lado do rapaz, selando sua testa. – Se tiver insônia, pode me acordar, ou ao Su, nós te faremos companhia. Se tiver fome, ou quiser ver TV, fique à vontade, tudo bem?

Changmin assentiu, e pouco antes do rapaz dar-lhe as costas ele o agarrou pelo pescoço, o sentindo envolver seus braços em torno de seu ombro, em um abraço fraternal. Junsu sorriu ao ver os dois abraçados, principalmente quando o mais alto se aninhou no colchão e pediu que ele desse um beijo de boa noite em Junsu em nome dele. Yoochun saiu do quarto depois de apagar a luz e roubou um selar dos lábios de seu namorado, uma vez que com aquele término, ele via mais chances de Changmin ficar bem.

O casal ainda cuidaria do coração quebrado do rapaz, o guiando, o deixando desabafar, fazendo com que ele se sentisse seguro novamente. Foram três semanas de paz, três semanas cruciais para que Changmin desse prosseguimento à sua vida, e Yoochun e Junsu nunca se sentiram tão bem ao ajudar um amigo. Era bom ter a companhia de Changmin, ele era agradável, era gentil, apesar de se tornar um tanto amargurado após o término. Ele não desejaria outro relacionamento, por um longo período de tempo.

Longe dali, na casa de Donghae, Siwon terminava de saborear um delicioso jantar. Já era tarde, e ele imaginava o que Kyu deveria estar fazendo, depois de convencer o tonto Changmin a perdoa-lo mais uma vez. De fato, Changmin era um tonto, manipulável, e como Siwon previra, um péssimo namorado. Donghae a sua frente, bebericava um suco de manga, que ele havia feito momentos antes. Quando a porta da sala bateu e os latidos de Choco invadiram a sala, eles imaginaram que era Hyukjae adentrando o local, no entanto, a voz fraca e rouca do outro rapaz chamou-lhes a atenção:

– Donghae-hyung?

Donghae e Siwon se entreolharam antes de deixarem seus pratos e copos ali abandonados para correr para a sala. Kyu não chorava, mas havia chorado por muito tempo sozinho em seu apartamento, até decidir que não poderia passar a noite em completa solidão. Ele arrumou uma mochila e com seus pertences em seus ombros, seguiu até a casa de Donghae, onde esperava encontrar abrigo, e companhia.

Kyuhyun estava parado no meio da sala com uma pesada mochila em seus ombros e os olhos inchados e avermelhados, que em sua pele clara ficavam mais evidentes. Donghae por alguns instantes se irritou com Changmin, pois imaginou o rapaz colocando Kyu para fora de casa, e este foi o mesmo pensamento de Siwon. Eles se aproximaram de Kyuhyun que os fitou inseguros antes de falar:

– Hyung, eu posso passar um tempo aqui? Eu juro que não vou incomodar.

– Claro que pode, Kyunie, mas o que aconteceu?

Siwon desviou de Kyu, sendo observado pelo rapaz, até parar atrás deste e puxar a pesada mochila de seus ombros. Siwon pegou os pertences de Kyu e seguiu para o quarto de hóspedes, onde sabia que ele se acomodaria. Donghae se aproximou do rapaz e repetiu a pergunta, enquanto Kyu esperava Siwon voltar para que contasse a história uma única vez. Ele não teria forças para repeti-la.

– Ele te expulsou de casa?

Indagou Siwon assim que voltou à sala. Kyu arregalou os olhos diante de tal suposição, e em sua mente, giraram todas as oportunidades que ele tivera de defender Changmin, e deixara passar. Era tarde demais, e a defesa da honra do homem que ele amava não estava mais ao seu alcance. Kyuhyun apenas negou com a cabeça e complementou:

– Na verdade, ele saiu de casa, está na casa do Junsu-hyung agora.

– Ele saiu? – Indagou Donghae. – O que houve entre vocês? Eu achei que você tentaria se resolver com ele.

– Ele não queria mais, não queria ser abandonado, hyung, e quem sou eu pra julgar ele por não desejar isso? Quem sou eu pra prolongar o sofrimento dele? Eu sei o quanto isso dói.

– Kyunie, vocês não precisavam terminar. – Afirmou Siwon, se aproximando do rapaz que apoiou o rosto em seu tórax. – Hoje em dia, namoro a distância é bem mais fácil, como eu já te disse.

– As coisas não iam bem, eu só não quis admitir. Eu não tive argumentos, hyung, o que eu diria a ele? Que tudo ficaria bem? Que eu voltaria logo? Mentir pra ele para ter ele ao meu lado pelo próximo mês, e depois ir embora, é egoísta demais, até mesmo para mim.

– Kyu, eu já te disse, desejar ser bem-sucedido não é sinônimo de ser egoísta. – Afirmou Donghae.

– Você acha isso porque você cresceu profissionalmente ao lado do Hyuk-hyung, porque você não sabe o que é ser deixado para trás! – Disse Kyuhyun, baixando o rosto. – É tão injusto.

– Você pode ficar, e tentar resolver as coisas com ele. – Afirmou Siwon o fitando fixamente. – Ou pode vir comigo, e crescer.

– Eu já tomei a minha decisão. – Afirmou Kyuhyun. – Eu vou com você, hyung.

– Se você quiser pode ficar lá em casa até o dia da partida. – Convidou Siwon. – Sei que faz um tempo que você saiu de lá, mas aquele lugar ainda é seu.

– Vai pro inferno, Siwon. – Ralhou Donghae. – Você já está tirando ele de mim, deixa ele comigo pelo menos até o dia da viagem.

– Obrigado, Wonie, mas acho que o Hae-hyung tem razão. – Afirmou Kyuhyun. – Vocês se importam se eu for me deitar um pouco? Estou com dor de cabeça.

– Claro que não, meu menino, vá descansar. – Disse Siwon acariciando os cabelos do rapaz. – E se precisar de mim, sabe onde me encontrar.

Kyuhyun meneou a cabeça afirmativamente, beijou o rosto de Donghae e os deixou sozinhos novamente, se encerrando no quarto de hóspedes, onde se ajeitou na confortável cama. Na sala, Donghae acomodou-se na poltrona, com ar sério, pesado e Siwon sabia que tinha sua parcela de culpa. O mais alto sentou-se ao lado de seu amigo, e sorriu discreto para ele que não o fitou em retorno:

– Hae-ah, olhe pra mim.

Donghae desviou o olhar para Siwon, que sorriu mais abertamente.

– Eu não estou roubando ele de você.

– Não é isso, Wonie, você não entende.

– Claro que eu entendo. – Afirmou Siwon. – No entanto, ele conseguiu essa proposta por mérito próprio, eu não dei mais do que um empurrãozinho.

– Então deixe ele aqui, comigo e com o Hyuk. – Pediu Donghae.

– Por que não pede a ele pra ficar?

– Seria injusto. – Afirmou Donghae. – Nem o Changmin pediu pra ele ficar.

– Eu não sei se o Changmin quer que ele fique, talvez em um lapso ele tenha percebido que o futuro do Kyu é na Inglaterra. – Afirmou Siwon.

– E se não for? E se ele sofrer?

– Ele pode voltar, quando ele quiser. – Afirmou Siwon. – Eu não estou levando um refém, Hae-ah, o Kyu é livre para fazer o que achar melhor.

– Você vai cuidar dele, Wonie?

– Se ele me permitir, vou cuidar dele com tanto zelo e carinho quanto você. – Siwon sorriu e Donghae o abraçou demoradamente. – Agora eu vou pra casa, e é melhor você ir lá, consolar o coração dele.

– Ele está precisando né?

– Está sim.

Eles soltaram o abraço e sorriram um ao outro, antes de Siwon partir, deixando Donghae em casa com a responsabilidade de fazer Kyu sentir-se melhor. Aquela não seria a primeira vez que ele consertaria o coração partido do rapaz, e ele desejava que aquela dor passasse logo. Quando Donghae chegou ao quarto, encontrou o rapaz deitado de lado, sem os sapatos e abraçado a um travesseiro macio, com parte de seu rosto escondido contra o objeto.

Eram apenas quatro semanas, que desapareceriam em um piscar de olhos e logo Kyuhyun estaria longe demais para que Donghae pudesse protegê-lo, guia-lo. Ele não desejava aquilo, achava injusto, mas Kyuhyun precisava crescer, precisava ser quem ele nasceu para ser. Donghae mais tarde ouviu o relato de Kyu sobre seu término de namoro, e todas as críticas de Changmin, eram tão verdadeiras que doíam. No entanto, ele deveria assumir, que não teria feito nada diferente, e ainda apoiaria Kyuhyun, mesmo quando ele não merecesse seu apoio.

Naquela noite, Kyuhyun acabou passando a noite na mesma cama que Donghae e Hyukjae. Aquela seria a ultima noite que ele dividiria a mesma cama que o casal, e de alguma forma, ele sabia que ficar ali seria bom não só para seu coração machucado, mas para consolar seus amigos por conta de sua partida. Abandonar eles seria tão difícil quanto deixar Changmin, se este não tivesse se prevenido de tal feito. Kyu não sentia raiva do rapaz, apenas tristeza, naquele momento, e nas semanas seguintes, tudo se resumiria à dor da perda de seu amado.

Ao final de duas semanas, Kyuhyun reuniu sua coragem e voltou ao seu apartamento para juntar o que levaria consigo. Hyukjae o ajudou naquela tarefa, que foi rápida, pois ele deixaria a maioria dos objetos ali presentes para Changmin. As poucas caixas foram deslocadas para a casa de Hyukjae e depois despachadas para a Inglaterra, para o campus da faculdade, onde ele dividira um dormitório com Siwon. Kyu deixou a aliança prateada sobre a mesa de centro, e jogou a chave por baixo da porta, deixando definitivamente seu apartamento.

Assim, quando Changmin retornou ao seu lar, depois de três semanas protegido sob o teto de Yoochun e Junsu, encontrou seu apartamento mais vazio, mas ainda impecavelmente arrumado. A chave no chão e a aliança na mesa o indicavam que Kyuhyun estivera ali uma última vez. Ele havia se livrado de sua própria aliança semanas antes, dando-a a Junsu, para que ele desse ao objeto um fim apropriado. Parado ali no meio da sala, Changmin percebeu, que nada seria fácil dali em diante, e restava a ele encontrar seu próprio caminho, sozinho.

Finalmente ele olhou pra a estante, e havia um espaço vazio em sua decoração. As duas bonecas de porcelana não estavam ali. Era o fim, Kyuhyun havia partido e para Changmin, nada restou, senão um espaço vazio em sua estante.