Capítulo 12 – Locked

overlook 12

Jaejoong cantava uma música em francês que Yunho não conseguia compreender. O corpo do rapaz balançava ao ritmo que sua própria voz ditava, vez ou outra lançando um sorriso malicioso ao moreno que olhava para ele da cama. Suas mãos bem treinadas dobravam as roupas com cheiro de amaciante recém tiradas da secadora. Aos poucos, as camisas de Yunho se misturavam com as dele, assim como suas calças, suas meias, suas roupas íntimas.

O termômetro na parede, indicava que do lado de fora a temperatura estava muitos números abaixo de zero. A neve não mais caía, mas o vento uivava soberano contra as paredes do hotel. Arvores já sem suas folhas se erguiam imponentes no céu escuro que dava a premissa de outra tempestade para aquela noite. Ainda assim, graças ao aquecedor, Jaejoong trajava apenas sua camisa e sua cueca favorita de cor escura.

Muitas folhas de papel estavam espalhadas pela cama. Ao lado do escritor, diálogos e momentos de seu futuro livro escritos de forma atemporal e aleatória, estavam devidamente empilhados. À sua volta todo o resto, havia sido descartado e agora estavam amassados sobre a cama. Assim ele passou sua tarde de pura libertinagem, entre os beijos de Jaejoong e seus escritos, ali estava ele.

Yunho havia ganhado peso desde que chegara ao Overlook, estava mais corado e visivelmente mais feliz. Jae era um bom namorado, cuidava de suas necessidades e nem mesmo em suas roupas, sua esposa mexia. Jaejoong não a deixava se aproximar, afinal, Yunho era de sua propriedade e seria zelado como tal. Junmin também não via o pai há semanas, e não fosse sua visão avançada, ele teria acreditado que seu pai estava morto no andar de cima.

Logo que guardou a última roupa, Jaejoong jogou-se sobre a cama. As folhas se espalharam pelo chão e mesmo as organizadas ao lado do moreno voaram ao peso do corpo do outro. Yunho o viu engatinhar sobre a cama, sorrindo e cantando a mesma música francesa desconhecida. Quando se aproximou, Jae deixou seu peso recair sobre o dele, encaixando-se em um abraço carinhoso.

Yunho jamais conseguiria explicar o quanto gostava daquela sensação, aquele corpo magro escorado ao seu, as nádegas macias, apoiadas em seu quadril, as mãos quase sempre frias puxando-lhe as coxas para que suas pernas o apertassem em um abraço. Mesmo com o aquecedor ligado e as caldeiras devidamente cuidadas, Jaejoong tinha o corpo frio, e Yunho não entendia como ele nunca tremia.

Mesmo com as coxas expostas, usando somente sua boxer, e o corpo gelado, Jaejoong não tremia de frio, sua pele não se arrepiava e seus pelos apenas se eriçavam ao toque de Yunho. Foi o que aconteceu naquele momento, as mãos do moreno percorreram a pele do loiro e ele viu, seus pelos finos e claros se excitarem com aquele toque sutil, um sinal visual do quanto Jaejoong gostava daquelas demonstrações de carinho.

Yunho já havia desistido de escrever e tinha intenções de ler a última pasta de notícias do hotel. Já faziam semanas desde que ele terminara as matérias, mas Jae ainda não o deixara ler o conteúdo restante. Não que ele o tivesse proibido e Yunho andava o tempo todo com aquela pasta embaixo do braço, porém Jae com seu sorriso encantador e seus beijos sutis e deliciosos, impediam-no de ler.

A pasta estava ali, sobre a cama e Jaejoong já a afastara com o pé para longe de seu corpo. Yunho bem que passaria as próximas horas ali com Jae em seus braços, apenas trocando carícias, como eles costumavam fazer, no entanto, algo atrapalhou seus planos.

As janelas dos quartos bateram diversas vezes com força. O vento atravessou os corredores, assobiando de forma imperial e um tanto macabra. A porta do quarto de Yunho e Jaejoong se abriu rispidamente e o moreno estranhou quando alguns confeitos de festa entraram com a brisa fria. Yunho sentou-se na cama e se esticou para ver quem estava do lado de fora, mas logo Jaejoong voltou-se para ele.

– Acho que uma janela abriu.

– Jae…

– Eu vou fechar, antes que congele esse lugar. – Disse Jaejoong, roubando um selar de seus lábios. – Já aproveito e te trago algo da cozinha.

– Jaejoongie, o que foi isso?

– O vento, oras! – Disse Jaejoong. – Está com medo do vento, hyung?

– Você sabe que… aish, não vale a pena discutir com você. – Reclamou Yunho. – Faz aquele chocolate quente delicioso para nós dois?

– Com canela né? – Disse Jaejoong colocando uma calça leve de moletom de cor acinzentada. – Você não vai sair daqui, certo?

– Vou tirar um cochilo, está bem?

– Tudo bem, hyung.

Jaejoong sabia que era mentira, pois podia vê-la em seus olhos. Ele sabia que Yunho não iria cochilar, porém não sabia o que exatamente ele iria fazer. Jae deixou alguns beijos em seus lábios e Yunho o agarrou pelas nádegas algumas vezes. Jae sorriu, deixou algumas carícias nos cabelos de seu amante antes de se afastar. Yunho ainda se ajeitou na cama e o observou mandar a ele um beijo a distância antes de sair, pisando nos confetes coloridos.

Jaejoong recostou a porta e olhou para o corredor com ar desconfiado. A porta do quarto 1904 estava entreaberta e recostado à batente estava Yoochun. Com os braços cruzados, ele o fitava com feições de poucos amigos. Afinal, ele sabia que naquela manhã, Junsu havia reservado um snowmobile em um local perto dali. Era sua preparação, ele estava por vir e era tudo culpa daquele loiro irritante.

Jae sorriu cínico. Ele sabia os motivos da irritação do rapaz e de seu acesso de raiva que reverberou por todo o hotel. Yoochun revirou os olhos e endureceu suas feições. Ele sabia que Junsu estava se preparando para sua partida e aquilo teria implicações diretas no hotel. Jaejoong sorria, mas estava com medo. Ele vivera no paraíso pelas últimas semanas, simplesmente ignorando suas obrigações e a presença de mãe e filho no andar de baixo.

E lá estava, o deprimente fantasma apaixonado, com seu temperamento insuportável, disposto a ameaça-lo mais uma vez. O que o loirinho debochado não sabia era que Micky estava cansado de dar-lhe ideias e ameaça-lo. Ele agiria por sua própria conta, e quanto mais sua raiva aumentava, mais ele ouvia a voz doce de Junsu, sussurrando ao seu ouvido para que parasse. Assim que entendeu suas intenções, Jae riu brincalhão e se esgueirou para o quarto do rapaz.

Não levou mais do que cinco minutos para eles ouvirem as rodas do triciclo, rangendo contra o tapete, contra o piso e novamente o tapete. Junmin dirigia seu brinquedo, pois queria espiar seu pai, sentia saudades dele. Ele o queria novamente com sua mamãe, brincando com ele e escrevendo suas histórias e não apegado ao fantasma loiro que o controlava. Talvez Yunho-appa sequer soubesse que ele estava morto.

No entanto, antes de passar pelo quarto do mais velho, ele viu pela primeira vez, a porta do 1904 entreaberta. Quem poderia tê-la aberto? Seu pai certamente não tinha nenhum interesse naquele local. Estaria afinal, seu pai ali? Ele teria sido machucado pelo que estava lá dentro? O que afinal tinha lá dentro? Junsu o alertara sobre aquele lugar, mas nenhum deles poderia machuca-lo, ele mesmo o dissera.

Junmin parou de pedalar e fincou seus pés no tapete, parando de frente para o quarto. Ele se levantou e saiu do brinquedo, espiando para dentro do cômodo. Estava tudo muito mal iluminado, com uma luz bruxuleante que vinha da janela. Ele conseguia ver apenas um pedaço da cama, afundada como se alguém pesado estivesse se acomodado ali, assim como a mão pálida de Jaejoong, a quem ele já reconhecia até mesmo o cheiro.

A cortina esvoaçava, branca, dançando a uma brisa que não vinha da janela fechada. Então ele viu. Uma mão apareceu no chão da porta, primeiro com seu punho fechado e então se abrindo e forçando para se apoiar, se movendo lentamente, revelando o braço coberto por um tecido fino. Então veio o ombro, o tronco e engatinhando de uma forma grotesca, com uma atitude bestializada, Yoochun apareceu.

Havia um olhar demente em seu rosto, uma raiva que ultrapassava seu temperamento difícil. Raiva que ultrapassava os limites humanos. Seus cabelos ondulados caíam por suas bochechas, úmidos, respingando. Seus lábios estavam rachados e inchados, e seu rosto era de uma palidez sobrenatural. Filetes de sangue escorriam pelos cantos de seus lábios, e Junmin sentiu um cheiro acre de podridão e deterioração que o enojou.

– Vamos brincar? – Disse Yoochun com sua voz esganiçada. – Que brincar comigo, seu merdinha?

Junmin sentiu seu estômago embrulhar e por alguns instantes achou que fosse vomitar. Ele estava pronto para fechar os olhos, como Junsu o havia ensinado, porém pouco antes de sua mão encostar em seu rosto, um barulho estridente chamou sua atenção. Yoochun não estava mais abaixado à sua frente, mas sim próximo ao kit de incêndio do corredor. Ele estava em pé, era um homem muito grande e Minnie estava apavorado.

– Vamos brincar de pegar? De correr? De sangrar?! De morrer?! Do que você quer brincar hoje?

Aquele era o homem que Junsu tão enfaticamente o pedira para evitar, o que havia de maldade no Overlook estava ali, olhando para ele. Sua mãe jamais acreditaria nele e seu pai estava sendo usado pelo homem loiro, tão perigoso quanto ele. Ele havia irritado aquele homem, ouvia seus gritos e lamúrias no andar de cima, havia tocado no que havia de mais sensível nele, sua paixão inumana por Junsu.

Os dedos de Yoochun se ergueram e automaticamente o vidro quebrou, se estilhaçando em pequenos pedaços ao chão. Então ele envolveu em sua mão o pequeno cabo do machado afiado e sem fazer força o retirou do suporte. Junmin tentava se lembrar das palavras de seu amigo, mas parecia impossível acessar sua memória e um nó de choro já se formava em sua garganta.

Foi quando ele ouviu, pela primeira vez com clareza, a voz de Junsu entre eles. Em um único pedido, antes de desmaiar nos braços de seu irmão gêmeo, Junsu disse aos gritos: “Corre, Minnie!” Junmin não esperou duas vezes e se afastou de seu brinquedo, correndo corredor afora. Atrás dele, ele ouvia os passos pesados e a voz rouca do rapaz, gritando maldiçoes e xingamentos.

Junmin correu o máximo que conseguiu, o máximo que suas pernas curtas podiam aguentar. Seus cabelos voavam em seus olhos e ele torcia para não tropeçar, para não cair, afinal, qualquer erro e seria o seu fim.  A escada estava próxima, ele já via seu vão, e imaginava se não rolaria escadaria abaixo. Ele estava com medo, não queria brincar com aquele homem. Ele brincaria, pela última vez, de pegar, de correr, de sangrar, de morrer.

Suas pernas estavam cansadas e ele estava já sem fôlego, a medida que ouvia os passos se aproximarem. A medida que chegavam mais perto, ele ouvia mais nitidamente o som do machado cortando o ar e vez ou outra, batendo contra as paredes, se fincando em seu papel estampado, ou esbarrando nos quadros. Finalmente ele estava na escada, e poderia correr para fora dali.

O menino gritou, e chorou, o que chamou a atenção de sua mãe que estava colocando o lixo em seu depósito apropriado. Hyemin correu em direção às escadas, arrependida de não ter trazido sua faca. Era Yunho, e ele fazia algum mal para seu filho, ou o menino estaria tendo outra de suas alucinações com um homem loiro que habitava o hotel. Quando o viu na beirada da escada, pálido, chorando, ela correu em sua direção.

Foi o que o fez parar. Ele seria castigado se desse cabo aos dois de uma vez, ao menos um deles deveria ser responsabilidade do incompetente Jaejoong. E é claro, aquela exibição ridícula não teve, nem de longe o efeito esperado. Afinal, agora Junsu acordava e começava a fazer suas malas, ele estava vindo imediatamente. Era uma questão de tempo para ele aparecer às portas do hotel, o que para Yoochun significava uma contagem regressiva para a morte de Junmin.

Quando ele voltou ao seu quarto, encontrou Jaejoong em pé ao lado do criado-mudo, abraçado a uma fantasia boba de cachorro. Micky sabia o que aquilo significava, eles iriam encher o salão, iriam retirar os lençóis e baixar as cadeiras. Acender as luzes e deixar cair os confetes. Era hora de acordar o Overlook.

Yunho se levantou de um pulo, assim que Jae deixou o quarto, e tratou de se agarrar a pasta tão veementemente proibida pelo rapaz. Sentindo-se um tanto rebelde e rindo bobamente de seu pensamento, Yunho abriu a pasta. A primeira matéria ele já lera com Jaejoong, sobre a velha senhora e sua aventura com um rapaz mais jovem. Yunho bem se lembrava como Jae o contara uma história bem mais detalhada e macabra do que a que estava descrita no jornal.

A segunda folha era uma sulfite com duas pequenas matérias coladas. A primeira, continha a foto de um cadáver também coberto por um lençol branco. Eles estavam à entrada do Overlook  e na ponta da foto era possível ver uma ambulância e é claro, à volta, diversos curiosos. Yunho não deixou de notar ao fundo, o leão Radagast, devidamente podado como se estivesse sobre duas patas, observando o ocorrido.

Jardineiro é encontrado morto em hotel.

O Jardineiro do hotel Overlook Park Yoochun foi encontrado morto essa manhã. Seu corpo flutuava nu na banheira de um dos quartos, sem nenhum sinal de arrombamento ou violência. Nenhum dos hóspedes diz ter ouvido gritos ou vozes exaltadas. A polícia ainda não sabe as causas da morte e nem possui suspeitos. Park Yoochun tinha apenas 24 anos e era famoso no meio da jardinagem por sua réplica do leão Radagast em arbusto.

Logo abaixo, outra matéria complementava aquela. Na foto, diversos carros policiais e uma bela mulher com rosto baixo e as mãos algemadas seguia acompanhada por um dos oficiais.

Park Hyeonah é presa acusada de assassinato.

Um mês após terem encontrado o corpo no hotel Overlook, a polícia prendeu Park Hyeonah sob a acusação de ter assassinado seu próprio marido. De acordo com os peritos, uma grande quantidade de agrotóxico foi encontrado no corpo do rapaz, substancia que a própria esposa fabrica e comercializa. A polícia suspeita de um golpe, uma vez que Park Yoochun possuía um seguro de vida que garantiria à esposa 500 milhões de won.

E lá estava outra história boba de assassinato que Jaejoong não queria que ele lesse. Yunho pensou em desistir, no entanto, folheou mais algumas páginas entediado, em busca de uma história mais interessante. Era uma coleção de histórias sobre mortes, que a imprensa cobria e supervalorizava sem dó. Foi quando ele abriu a pasta ao meio em seu colo que algo chamou sua atenção, o assustou.

Datada de 25 de fevereiro de 1920, havia uma foto de Jaejoong. Ele sorria na fotografia visivelmente recortada, e era exatamente como Yunho o conhecia. Aquele sorriso doce, adornado por seus lábios grossos e os cabelos loiros que acariciavam sua pele toda noite estavam muito bem impressos naquela página. No entanto, aquela foto era datada de 40 anos antes, ele deveria ter aproximadamente sessenta anos em dias atuais.

A matéria era ainda mais chocante.

Jovem é encontrado morto no misterioso hotel Overlook.

Há anos o hotel Overlook é palco dos mais diversos crimes, devido a sua localização afastada e a facilidade de fuga. Desta vez a vítima é o jovem Kim Jaejoong. O rapaz de apenas 23 anos foi encontrado sobre a cama, trajando somente um roupão do hotel. Marcas em seu pescoço indicaram a perícia que se trata de um sufocamento, apesar de ainda não terem nenhum suspeito.

Jaejoong trabalhava no hotel há três anos e nunca teve nenhum indício de rebeldia. Não entrava em outros quartos sem permissão e nem saía de seus aposentos durante suas horas de folga. “Era um bom menino, simpático e gentil”. Garantiu o cozinheiro chefe Kim Heon. Outro mistério a ser desvendado é o que Jaejoong fazia no quarto durante a madrugada e por quem estava acompanhado.

A morte de Jaejoong foi um grande choque para todos os seus colegas, e apesar de não ter familiares conhecidos, seu talento com a comida e as bebidas ficará na memória de seus hóspedes e amigos.

Yunho tremia da cabeça aos pés e sentia calafrios na espinha. Era isso, ele estava morto. Era um fantasma, um demônio, uma memória ou o mais provável, uma alucinação de sua mente em abstinência. Ele amava uma mentira, uma assombração, tal qual sua própria vida era uma mentira. Como ele poderia afinal esperar que a felicidade aparecesse daquela forma para ele, em forma de um loiro lindo e irresistível?

Enquanto ele afastava a pasta e se levantava, Jaejoong apareceu à porta do quarto com feições sérias. Yunho entrou em pânico logo que o viu. Ele estava ali, ao seu alcance para ser tocado, amado, com sua pele fria e suas feições angelicais. Ainda assim, havia morrido quarenta anos antes. Jae entendeu de imediato o que acontecia ali. A pasta aberta, com sua foto sorrindo para o teto, o olhar de terror e desprezo de Yunho. Finalmente a verdade. Jae deu um passo a frente e Yunho se afastou de imediato, ofegante:

– Hyung, eu posso explicar.

– Explicar o que? Explicar o que??

– Hyung, me ouça…

– Não, você não pode explicar nada. Você é uma alucinação que eu inventei pra conseguir ficar sem beber. – Disse Yunho, enfaticamente. – Você é o meu alcoolismo se manifestando em forma de uma doença.

– Eu não sou uma doença, hyung, e você não me inventou. – Disse Jaejoong.

– Você… você está morto! – Disse Yunho com ar enojado. – Não pode estar aqui comigo, mortos não andam, não falam, não amam!

– Não fale isso, hyung. – Disse Jaejoong com seu típico ar manhoso. – Você é o meu namorado, você aceitou.

– Como eu faço pra você desaparecer? Você não existe, você… fique longe de mim!

– Hyung…

– SAI DAQUI!!!

– Pode sair você se quiser. – Disse Jaejoong se aproximando lentamente. – Você nunca vai deixar esse hotel, e vai ser meu. Não esqueça disso.

– SOME JAEJOONG!!!

– O que você vai ser sem mim? O que vai fazer? Voltar para a sua vida medíocre? Bancando o pai ausente? Ou vai estuprar a sua esposa na primeira oportunidade? Em que outro lugar você teria tudo isso senão aqui?

– Eu não… me deixe ir embora…

– Pode ir. – Disse Jaejoong, visivelmente magoado. – Eu sempre soube que você não é homem suficiente para mim.

– Como você pode dizer isso? Tudo o que você fala é mentira.

– Eu não minto. – Disse Jaejoong, afastando a pasta e se deitando sobre seu estômago. – Eu nunca minto.

– Você é uma mentira!!

– Quer saber o que é uma mentira? A sua vida fora daqui. O Yunho pai, o Yunho marido, o Yunho família, tudo isso é mentira. As únicas coisas verdadeiras em você, é a sua criatividade e o seu alcoolismo. Ah e é claro, a sua beleza, da qual você ainda não sabe da existência. Pode ir, pode voltar para a sua esposa, eu vou contar 24 horas até você voltar para mim, ou cometer suicídio.

– Volta pro inferno, onde é o seu lugar!

Yunho correu para fora do quarto, batendo a porta atrás de si. Mal sabia ele dos perigos que corria ao percorrer aquele hotel sem a companhia de seu Jaejoong. No entanto, aquela loucura precisava acabar. Ele não vivia em um mundo de Tim Burton, não estava se divertindo no planeta do Halloween. Ele não sabia se correu escada abaixo ou se pulou dois degraus, mas lá estava ele, correndo para seus antigos aposentos.

Aquela não era a realidade que ele queria, e ele o percebeu assim que parou à porta da cozinha. Hyemin estava ainda mais magra e abatida, recostada a bancada enquanto preparava um sanduiche. Seu filho foi o primeiro a nota-lo, e o único a sorrir com sua presença. Junmin pulou da cadeira por ver seu pai ileso e voltando para ele, apesar do homem loiro no andar de cima. Ele agora sentia-se feliz, pois estava com saudades do mais velho, mas também amedrontado.

A volta de Yunho não significava mais para Junmin a reunião de seus pais, significava que o homem loiro, Jaejoong, logo se voltaria contra eles. E com ciúme, ele se tornaria ainda mais perigoso. Junmin sabia agora que havia mais de um no andar de cima e que por algum motivo, nenhum deles gostava dele. Eles gritavam a noite, eram infelizes, desejavam coisas tão ruins que eram incompreensíveis para ele. O menino tinha medo e se sentia ainda menos protegido por ver seu querido pai ali.

Sua mãe percebeu o seu medo, e o interpretou de forma errônea. Ela o ouvira gritar naquele mesmo dia pela manhã e não se esquecera do sangue no pescoço do menino semanas antes. O pequeno acusara um homem loiro e imaginário, mas ela bem sabia, o verdadeiro culpado estava ali, como o bom marido que a casa retorna. Ele parecia verdadeiramente disposto a voltar, parecia arrependido, como em todas as vezes depois de beber, ele acordava. Aquela deveria ser a sua mais nova ressaca.

– Eu estava errado. – Disse Yunho assim que adentrou a cozinha. – Me perdoe, Hyemin.

Ela estranhou tal frase, vinda de seu orgulhoso marido, agora se demonstrando humilhado. E toda aquela cena de homem da casa logo que eles chegaram ali? Havia sido pura hipocrisia da parte dele? Ela não o entendia, não conseguia ver os motivos dele estar ali novamente, sem trazer nada a não ser a roupa do corpo, pedindo silenciosamente para se unir a eles. Para ser novamente de sua família.

Junmin desceu da cadeira em que estava acomodado e correu em sua direção de braços abertos. Yunho por alguns instantes sentiu um amor muito forte por ele, unido a uma estranha repugnância. Ele ergueu o pequeno nos braços, enquanto sua esposa sorria com lágrimas nos olhos, falsas lágrimas. Junmin o abraçou carinhosamente pelo pescoço e aceitou os carinhos que ele deixava em seus cabelos.

– O seu amigo loiro, o Jaejoong, também vai ficar com a gente aqui?

– Ele não existe, Minnie. Eu estou doente, pois…

– Claro que ele existe, appa, ele existe e gosta tanto de você que seria capaz de…

– O que você disse? – Interrompeu Yunho, o afastando para poder fitar o menino.

– Ele te ama, appa.

“Minnie, vá para o quarto.” – Disse Hyemin, interrompendo, antes que Yunho pudesse dar continuidade aos seus segredos. – “Omma precisa conversar com o appa”.

“Está bem, omma” – Disse Junmin, para por fim, sussurrar. – “Mesmo que você não fique aqui, que fique lá com ele, eu ainda te amo, appa”.

“Eu também te amo”.

Assustado com as declarações do menino, Yunho o soltou e o viu acenar e correr desajeitado para fora da cozinha. Ele sabia que ouviria um sermão, uma bronca e talvez até mesmo alguns xingamentos, mas precisava disso para melhorar. Ele precisava ser novamente o velho Yunho, não aquele ligado a uma ilusão de um homem morto e de sua própria homossexualidade inexistente.

E se Jaejoong existisse? O que ele era na verdade? Yunho não podia aceitar aquela situação, não era correta, ele tinha que lutar contra aquilo, como lutava naquele momento contra a vontade de beber pela primeira vez em longas semanas. Hyemin ainda estava parada na bancada próxima à despensa, terminando dois sanduiches e os colocando em pratos e finalmente em uma bandeja que levaria para o quarto. Sem erguer o olhar, ela disse:

– Você quer voltar? Ficar conosco?

– Quero ser novamente o seu marido. – Disse Yunho. – Quero que tudo seja como antes dele… antes de eu… antes de tudo isso.

– É isso mesmo o que você quer? Está bem então.

Muito fácil, pensou Yunho. Havia algo errado, então ela continuou:

– Você pode pegar outro pão na despensa para eu preparar um sanduiche para você?

Yunho apenas meneou a cabeça afirmativamente em resposta ainda estranhando as reações de sua esposa, e a falta de reação de Jaejoong que não dera as caras até então. Junmin tinha razão, ele era imprevisível e não aceitaria aquela situação tão passivamente. No entanto, era um risco que ele precisava correr em função de sua própria sanidade, que aos poucos ele estava perdendo.

Ele adentrou a despensa e abaixou-se, em busca do pacote de pães que não estava mais ali. Ele não sabia, mas ela agora estava estocando comida em seus aposentos, no perigo de não poder mais sair de lá. Quando ele se erguia para avisar que não haviam pães ali, ele viu de relance ela puxar a porta com firmeza, a fechando com um baque e então o som da fechadura trancando. Yunho olhou para a porta desacreditado, e em seguida percebeu, Hyemin o trancara na despensa.

– Hyemin, abra essa porta, o que você acha que está fazendo?

– Você acha que eu sou idiota, Jung Yunho?? – Gritou ela do lado de fora. – Acha mesmo que eu vou deixar o meu filho à sua mercê? O que você fez nos últimos meses? Que tipo de insanidades você tem praticado no andar de cima?

– Hyemin, eu voltei pra você, você é a minha esposa, o passado não importa!

– Se o passado não importasse eu não estaria trancada aqui com você, seu cretino! – Gritou ela. – Chega de dormir com medo, chega das suas brincadeiras de mal gosto com o nosso filho!

– Que brincadeiras? Você está louca!

– Eu sei o que você fez, sei de tudo o que você fez ao meu Junmin e já chega disso! – Gritou Hyemin. – Eu estou farta de você, Yunho, e quero que faça bom proveito da despensa, pois você só vai sair daí quando a neve baixar e eu puder sair desse inferno!

– Hyemin, você não pode fazer isso! Abra já essa porta, sua vadia do inferno, abra!!

– Eu estou farta de você!! Estou farta do seu egoísmo, do seu temperamento, dos seus erros! Você não passa de um bêbado que perdeu a sanidade, e jamais vai voltar a ser o meu marido! Você nunca foi o meu marido, sequer cumpriu seu papel de sustentar a nossa família, de educar o nosso filho. Você é um inútil, e quando se deu conta disso, se escondeu em um dos quartos do hotel para que ninguém mais percebesse! E agora, como se isso já não fosse o suficiente, você é uma ameaça para o meu filho, você vai machucar o Junmin.

– Eu vou machucar você, sua piranha, se você não abrir essa merda de porta! – Disse Yunho, finalmente começando a socar a porta insistentemente. – Abra a porta, Hyemin, eu estou mandando!

– Você não manda nem mesmo em você, e quer mandar em mim? – Ironizou Hyemin. – Espero que essa estadia sirva como reflexão para você se tornar um homem melhor. Tente refletir sobre a sua vida, Yunho e sobre como você pode melhorar ela. Tenha uma boa temporada de inverno, seu imbecil!

E dizendo isso, Hyemin saiu da cozinha ainda ouvindo os gritos de Yunho da despensa. Ela estava decidida, ele somente sairia de lá ao fim do inverno. Ele não iria morrer, havia uma torneira de água potável e quilos de comida para ele se fartar ali. Ela já havia estocado o suficiente em seu quarto e ficaria ali até o fim do inverno, protegendo seu filho e a si mesma. Já havia acabado o tempo de ficar à mercê da insanidade de seu marido, era hora de tomar as rédeas da situação.

Nem mesmo quando fora encontrado bêbado na calçada, Yunho fora tão severamente humilhado quanto naquele momento. Ele havia se recolhido à sua insignificância e voltado para sua família, e em troca, fora isolado em um local como um animal com alguma doença contagiosa. Sua raiva era tamanha que ele exalava ódio pelos poros da pele, era tudo tão injusto, sua vida era tão injusta.

Depois de duas horas seus punhos já estavam cheios de hematomas e suas unhas sangravam por tentar abrir a porta. Ele já havia chutado a mesma de todas as maneiras, mas a fechadura não estava nem próxima de ceder. Seu corpo tremia, suava frio e sua raiva não fazia menção de passar. Sua boca estava seca e ele salivava pelo canto dos lábios, ele queria muito beber, queria muito uma dose de soju. Queria um beijo de Jaejoong.

Ele estava feliz, ele fora feliz pelas semanas que se passaram, por mais promiscuo e errado que tenha sido seu estilo de vida. No entanto, o caminho correto e moral de sua vida sempre o levavam a entroncamentos e barreiras, além de humilhações absurdas como aquela. Suas mãos doíam, e pela primeira vez em meses ele teve vontade de chorar. Ele queria Jaejoong, e foi o que ele começou a chamar.

Sua garganta agora gritava pelo nome do rapaz, apesar de saber que não seria atendido. Não sentiria dali o cheiro mentolado de sua pele, nem a risada gostosa, ele o havia abandonado em sua cama, trajando somente pijamas e magoado. Ele gritou pedidos de desculpas, ignorados por mais que ecoassem pelas paredes do local e reverberassem em seus ouvidos. Jaejoong. Jaejoong. Seu demônio, seu amor.

Ele passou as três horas seguintes repetindo o nome de Jaejoong, como um mantra ao seu amor, como um feitiço que ultrapassaria a morte e o traria para si. Anoiteceu, finalmente e ele ainda esperava pelo loiro. Deitado no chão frio, ele sussurrava o nome dele, enquanto em sua mente imagens daquele mês se misturavam à sua própria voz relendo a matéria de jornal que lhe revelavam a verdade.

Yunho lembrou-se de seus desenhos, dos mais românticos, dos mais macabros. De como ele comparava o amor com a morte, de como ria de suas dúvidas e falava em parábolas. Ele amava tudo aquilo, naquele homem que não mais fazia parte do mundo dos vivos, mas que fazia parte do seu mundo. Yunho encolheu-se no chão frio, ele mal havia deixado o rapaz e sua vida já estava novamente um caos ridículo, ele precisava dele, precisava de Jaejoong.

Foi com esse desejo que chegava a machucar o loiro no andar de cima, que ele adormeceu. Ele ainda sentia em seu peito uma mistura de raiva doentia, unida a vergonha de estar preso ali e ao arrependimento por ter saído de seu quarto sem ouvir o que o rapaz tinha a dizer. Aquela seria a última noite que ele dormiria sozinho, pois no dia seguinte, se Jaejoong não o resgatasse e o perdoasse, ele se tornaria a imagem viva de um de seus desenhos.

Yunho estava decidido, Jae teria o prazo de 24 horas para resgata-lo, ou ele arrebentaria a cortina da pequena janela e a enrolaria tal qual uma corda. Ele a penduraria no alto da janela e de lá, unir-se-ia ao seu amado Jaejoong no mundo dos mortos. Pois sem ele, de nada valia viver. Sentado ao lado da porta, ouvindo as súplicas de seu amado, Jaejoong esperava o dia amanhecer. Ele precisava sentir sua falta, precisava sentir necessidade de sua presença, pois assim, jamais voltaria a abandona-lo.

E a eternidade seria deles.